Aquele casal chegou num dia de sol no verão de Amsterdã. Eles
desembarcaram com uma filhota e um moleque sob o céu azul do
Schiphol.
Foram direto pra casinha já os esperando num dos canais da cidade.
Os vizinhos de cima eram de origem africana e falavam francês, e os
de baixo, típicos holandeses. Todos tinham filhos e logo a pequena,
com seus cabelinhos castanhos se juntou ao pixaim dos neguinhos de
cima e com os cachos loiros do batavinho de baixo.
O moleque se misturou aos outros moleques da vizinhança e estava
assentada uma família numa vizinhança alegre e mista, culturalmente
rica, interessante.
Tudo corria perfeito, os papéis todos prontos, o emprego sonhado, o
canal bucólico.
Pra ser mais exato, quase tudo perfeito, pois sempre tem alguma
coisa pra obscurecer a luz da felicidade da gente. E neste caso,
havia baratas.
Baratinhas francesas, como foram chamada por um amigo alemão, que
veio de visita na mansão do sonho.
No começo se desculpavam afirmando que, pelo menos, não eram aquela
baratonas voadoras e enormes do Brasil, mas baratinhas amarelinhas e
minúsculas.
Mas depois, a quantidade aumentou tanto que as baratinhas, não
somente andavam por todos os lados da casa, mas também pelos
pensamentos do casal, o tempo todo.
Não adiantaram as armadilhas de plástico, as chineladas, as
reclamações de toda hora. Os inseticidas holandeses pareciam
deixá-las mais doidinhas. No fim, elas se viciavam e pediam mais.
Tentaram de tudo, mas exterminá-las, nenhum sinal.
Resolveram conviver com a situação, para não ficarem loucos. Mas
mesmo assim, ela jurava que ouviu as baratinhas cantando.
Ele perguntou se ela havia experimentado uma canabis holandesa,
tamanho o delírio que era ouvir baratas cantando. Mas, era verdade
que elas cantavam, sim. Não era só imaginação dela, não. Elas não só
cantavam, em francês, como também dançavam can-can, em animadas
noitadas pela casa enquanto a família dormia.
A cada dia elas ocupavam mais espaço. No começo, passavam pela sala
sem pedir licença, depois já estavam mudando o canal da TV e por
fim, e ficavam até altas horas no computador em salas de conversa
pela internet.
Mas o pior mesmo, foi no dia que ele pegou seu moleque jogando
vídeo-game com uma barata filhote. A criança alegou que o
baratinho ali conhecia todos os truques e “cheats” do seu jogo
preferido.
Ele, até ciúmes das baratas teve, quando ficava esperando-a na cama,
até que ela acabasse a conversa com uma barata macho, grisalho, de
terno e jeans, de conversa fácil. Ele perguntava o que ela via nele,
e ela só respondia, que ele era um “barato”.
O casamento deles já estava por um fio, e numa noite que o barateado
se divertia na sala rindo e cantando, (La cucaracha, ya no puede
caminar, porque no tiene, porque le falta, marijuana que fumar), ele
puxou-a para um lado para conversarem no quarto.
Salvaram o casamento numa noite cheia de declarações. Ela afirmando
que não iria deixá-lo, que ele não se preocupasse, aquilo era só um
ciúme barato, e ela ainda aproveitou pra pedir pra ele parar de
ficar olhando as pernas daquelas adolescentes baratas que cruzavam a
casa. Ele argumentou que era impossível não ver, dado à quantidade
de pernas que possuíam as baratas-mocinhas.
E chegaram também à conclusão de que deveriam fazer algo para
arrumar aquela situação, mas isso vai ficar pra próxima crônica, que
o feijão tá no fogo.